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Purgatório: Uma análise completa

A negação da existência do purgatório pelos protestantes teve início com Martinho Lutero, em 1517, durante o auge da Reforma Protestante. Lutero, em sua obra As 95 Teses, expressou suas objeções ao conceito de purgatório, especialmente quanto à prática de vender indulgências, que ele via como uma exploração da fé.

Primeiramente, na Tese 27, por exemplo, ele afirmou: “Eles pregam apenas doutrinas humanas que dizem que, assim que a moeda no cofre tilinta, a alma sai voando do purgatório.” Dessa forma, Lutero rejeitou a ideia de que as almas dos falecidos precisassem de purificação adicional além do sacrifício de Cristo, e essa negação rapidamente se espalhou entre as denominações protestantes que surgiram na esteira da Reforma, como os calvinistas, anglicanos e outras tradições que mantêm, até hoje, a rejeição ao purgatório.

Em continuidade, as denominações protestantes atuais, de modo geral, aceitam essa posição, defendendo que a salvação é um evento que se completa na vida terrena, sem a necessidade de um estado de purificação após a morte.

No texto que se segue, você encontrará uma análise rica e detalhada que mergulha nos fundamentos bíblicos e históricos do purgatório.

Prepare-se para explorar as antigas crenças dos egípcios e babilônios, as revelações do Antigo Testamento e as passagens do Novo Testamento, e descubra como essa doutrina evoluiu ao longo dos séculos.

Uma verdadeira exploração do papel do purgatório na fé cristã, apoiada por séculos de tradição e discussão teológica.

Definição de Purgatório

Lugar de expiação temporária, onde as almas salvas completam sua purificação antes de serem admitidas no céu.

I. Purgatório entre os povos antigos

Os antigos egípcios e babilônios, assim como os persas, já tinham visões complexas sobre a vida após a morte e o julgamento das almas. Embora essas culturas não tivessem uma concepção clara de purgatório como entendemos no cristianismo, seus rituais e crenças apontavam para ideias de purificação e julgamento divino. As almas, ao enfrentar desafios e provações no pós-vida, passavam por etapas de purificação antes de encontrar seu destino final, seja nos reinos celestiais ou em regiões sombrias. Cada povo desenvolveu suas próprias representações dessas jornadas espirituais, demonstrando uma busca comum pela redenção e pela justiça divina após a morte.

Egípcios

Os Egípcios tinham uma ideia muito clara de um julgamento após a morte. Mas, em sua crença, a alma só chegava diante de seus juízes divinos após ter percorrido regiões repletas de dificuldades e perigos.

Ela então fazia sua confissão negativa, pela qual se libertava de todo tipo de falta; depois era admitida a continuar, no lugar bem-aventurado, suas ocupações terrenas ou, melhor ainda, a voltar aos lugares que havia habitado para se interessar perpetuamente pelas coisas que lhe agradavam. Cf. Maspero, Histoire ancienne des peuples de l’Orient, t. I, 1895, p. 182-199.

As provas sofridas pela alma antes de sua aparição diante dos juízes representam apenas de forma muito imperfeita e de longe a ideia de expiação. Além disso, elas precedem o julgamento e não têm nenhuma relação com as faltas cometidas.

Babilônios

Os Babilônios ofereciam oferendas ao corpo do falecido para que a alma tivesse de onde subsistir sem vir atormentar os vivos. Depois, a alma passava para uma região tenebrosa, o Aralou, sob o poder da deusa dos infernos, Allat, que submetia a tormentos terríveis as almas que não tinham demonstrado piedade aos deuses e a ela.

Ela deixava as outras levar uma existência sombria e sem alegria. Só se era libertado desse lugar por exceção, por ordem dos deuses superiores. Mesmo assim, os babilônios ainda mantinham a ideia de uma ressurreição dos mortos. Cf. Maspero, Histoire ancienne, t. I, p. 684-692; Lagrange, Études sur les religions sémitiques, Paris, 1905, p. 337-341. Um baixo-relevo em bronze (fig. 203), publicado por Clermont-Ganneau, Revue archéologique, 1879, t. XXXVIII, p. 337-349 e pranchas XXV, representa a tomada de posse da alma pela deusa dos infernos.

No topo, vemos a cabeça de Nergal, e abaixo dela, os deuses supremos aparecem representados por astros ou símbolos. Abaixo, estão dispostos demônios protetores encarregados de afastar os maus espíritos que tentariam se apoderar do corpo. O morto está deitado em seu leito fúnebre, com os braços levantados, como em uma última oração. Ea, o deus-peixe, tem dois representantes perto dele.

Na aimagem inferior, Allat, com dois leõezinhos em seus seios, está meio ajoelhada sobre um cavalo, carregado por uma barca. Ela vem buscar a alma, que não carecerá de nada graças às oferendas colocadas à esquerda do falecido e à direita da deusa. Nessa concepção caldeia, não há lugar para um purgatório.

Allat, deusa dos infernos.
Segundo a Revue archéologique, 1879, t. XXXVIII, pr. 25.

Persas

Entre os Persas, pelo menos a partir do século IX a.C., a alma permanecia três dias junto ao corpo após a morte, depois, conforme o valor moral de suas ações, passava por regiões agradáveis ou horríveis para então ser submetida a julgamento.

Ao sair do tribunal, a alma chegava à ponte Schinvat, que passa por cima do inferno e leva ao paraíso; se condenada, caía no abismo; se pura, alcançava facilmente a morada da divindade. Cf. Maspero, Histoire ancienne, t. III, p. 589-590. Entre esse inferno e esse céu, havia, entretanto, um estado intermediário, chamado Hames takdn. O Avesta posterior ignora esse estado.

O inferno purificava os culpados, de modo que, no final, todos eram salvos e participavam da ressurreição. “Assim, julgamento particular, julgamento geral, paraíso, inferno e purgatório, ressurreição dos corpos, toda essa escatologia é bastante semelhante à do cristianismo, exceto pelo perdão de todos.” Lagrange, La religion des Perses, Paris, 1904, p. 30. Mas, nessa doutrina, o estado intermediário não é muito bem definido e o inferno tem o caráter de um verdadeiro purgatório; além disso, a data dessas ideias não pode ser fixada com exatidão.

II. Purgatório no Antigo Testamento

O Antigo Testamento oferece indícios de práticas e crenças relacionadas à purificação após a morte, ainda que de forma implícita. O relato em II Macabeus é especialmente relevante, sugerindo uma antecipação da doutrina do purgatório. Nos trechos que seguem, veremos como esses elementos começaram a moldar uma visão de expiação pelos mortos, preparando o terreno para o desenvolvimento dessa crença no cristianismo.

Livro de Tobias

1º Algumas vezes se acreditou que se tratava de sacrifícios pelos mortos neste trecho de Tobias, IV, 18: “Serve teu pão e teu vinho na sepultura dos justos.” Mas trata-se aqui apenas das refeições fúnebres pelas quais se celebrava a memória dos mortos. Cf. Jeremias, XVI, 7.

Livro II Macabeus

O único texto que implica a ideia de purgatório é o de II Macabeus, XII, 43-46. Após uma batalha vencida sobre Górgias, Judas Macabeu percebeu que seus soldados caídos usavam, sob suas túnicas, objetos idólatras provenientes do saque de Jamnia.

Dessa forma, esses objetos eram essencialmente impuros aos olhos da Lei, e havia sido um erro mantê-los. Judas viu um castigo providencial na morte de seus soldados. “Então, tendo feito uma coleta, na qual arrecadou a soma de dois mil dracmas, ele a enviou a Jerusalém para ser empregada em um sacrifício expiatório. Bela e nobre ação inspirada pela crença na ressurreição! Pois, se ele não tivesse acreditado que os soldados mortos na batalha haveriam de ressuscitar, teria sido uma coisa vã e sem sentido rezar pelos mortos.

“É, pois, um pensamento santo e salutar rezar pelos mortos, para que sejam libertados de seus pecados.”

Ele considerava, além disso, que uma recompensa muito bela está reservada àqueles que adormecem na piedade, e essa é uma crença santa e piedosa. Por isso ele fez esse sacrifício expiatório pelos mortos, para que fossem libertados de seus pecados.” A Vulgata traduz um pouco diferente a última frase: “É, pois, um pensamento santo e salutar rezar pelos mortos, para que sejam libertados de seus pecados.” No fundo, a ideia expressa é a mesma. Esse texto está presente em todas as versões e nos manuscritos mais antigos.

Portanto, não há razão para afirmar que ele foi adicionado. Aqui está o que emerge desse trecho. Os soldados cometeram uma falta, mas essa falta não era mortal, pois o autor sagrado supõe que ela poderia ser perdoada após a morte; ou então, se era mortal, tem-se o direito de acreditar que os culpados se arrependeram antes de morrer, como aconteceu com muitos daqueles que o dilúvio havia engolido. I Pedro, III, 19-20. Esses soldados deveriam ressuscitar um dia, do contrário, a oração pelos mortos seria vã. Ressuscitados, eles teriam parte na recompensa reservada àqueles que adormecem no Senhor.

Mas, antes disso, era necessário que fossem libertados de seus pecados, e esse resultado era alcançado pelo sacrifício expiatório oferecido em Jerusalém. As almas desses defuntos, portanto, não estavam no inferno, onde não há remissão; nem estavam no céu, ainda fechado, e no qual, de qualquer modo, não teriam entrado por causa de seus pecados.

A necessidade da expiação dos pecados

Era necessário que esses pecados fossem expiados para que pudessem aspirar à recompensa. A situação dessas almas é precisamente a que chamamos de purgatório, lugar onde as almas se purificam no sofrimento, mas onde são ajudadas em sua purificação pelas orações e pelos sacrifícios dos vivos. Foi um homem profundamente ligado à religião e às tradições de seus pais, Judas Macabeu, que tomou a iniciativa da coleta e do sacrifício. Seus companheiros, longe de se surpreenderem com a proposta, responderam-lhe generosamente.

O texto não diz como isso foi recebido em Jerusalém; mas deve-se pensar que não poderia ter surpreendido ninguém, já que Judas envia a coleta sem qualquer justificativa além de seu próprio pedido. Finalmente, o autor inspirado relata o fato com uma insistência visível, acompanhando o relato com reflexões destinadas a inculcar bem a legitimidade da crença e da prática.

Explicando uma lacuna

Pode-se perguntar como essa crença e prática aparecem de repente no texto sagrado, sem que nada pareça prepará-las nos livros anteriores. Deve-se observar, em primeiro lugar, que entre Esdras e Judas Macabeu se passou um período de aproximadamente três séculos, durante o qual o silêncio quase total envolveu a história dos judeus.

Durante esses longos anos, muitos pontos doutrinários se esclareceram, que antes permaneciam numa sombra mais ou menos profunda. Tal foi, por exemplo, a doutrina da vida futura, tão fortemente exposta no livro da Sabedoria, II-V. Deve ter ocorrido o mesmo com a doutrina do purgatório e da oração pelos mortos. Pouco a pouco, no tempo designado pela Providência, ela se manifestou claramente, quando a ocasião se tornou propícia. Vê-se bem, a partir do texto de Macabeus, que essa doutrina já havia entrado na crença dos judeus piedosos, mas ainda precisava ser afirmada.

Oposição dos Saduceus

Na verdade, ela deveria encontrar uma forte oposição por parte dos saduceus, que não acreditavam na vida futura, e talvez também certa hesitação entre aqueles que não gostavam de inovações e pretendiam se apegar à Lei e aos Profetas. Podemos até sentir a tentação de atribuir à influência das ideias persas a introdução da crença no purgatório e na utilidade da oração pelos mortos em Israel.

Mas as doutrinas do Avesta, embora apresentem certas analogias com aquelas formuladas pelo autor de Macabeus, são por demais imprecisas e, em pontos importantes, muito diferentes dessas últimas, para que se possa admitir uma influência direta e eficaz. Cf. de Broglie, Cours de l’histoire des cultes non Chrétiens, Paris, 1881, p. 41-42. O que se pode acreditar mais legitimamente é que, em contato com a religião iraniana, a doutrina judaica se desenvolveu por sua própria força interna e segundo o desígnio de Deus. A obscuridade que envolve toda uma época da história judaica não permite seguir com mais precisão o trabalho religioso realizado durante esse período.

O purgatório no contexto judaico

Os livros judeus, mesmo os posteriores à pregação evangélica, não contêm nenhuma menção de um estado intermediário entre o céu e o inferno. Posteriormente, os judeus designaram como morada das almas que não eram nem justas nem ímpias a gehenna superior, que compreendia as seis regiões mais elevadas do inferno.

As almas ali se purificavam durante doze meses no sofrimento, antes da admissão entre os justos. Um filho deveria orar por seu pai falecido todos os dias durante onze meses, e a cada sábado toda a assembleia recitava uma oração solene chamada “memória das almas.” Cf. Iken, Antiquitates hebraicae, Brême, 1741, p. 614-615; Drach, De l’harmonie entre l’Église et la synagogue, Paris, 1844, t. I, p. 16.

III. Purgatório no Novo Testamento

Embora o Novo Testamento não mencione explicitamente o purgatório, vários textos pressupõem sua existência. As palavras de Jesus e os escritos de São Paulo, entre outros, sugerem a possibilidade de uma purificação pós-morte para aqueles que, apesar de salvos, ainda precisam expiar suas faltas.

Nas passagens seguintes, veremos como essas referências indiretas oferecem uma base para a compreensão do purgatório na teologia cristã, sendo mais tarde solidificadas pelos Padres da Igreja e pelo Magistério.

Purgatório

Análise geral do Purgatório no Novo Testamento

O purgatório não é diretamente mencionado, mas sua existência é claramente pressuposta por alguns textos. É certo, em primeiro lugar, que após o julgamento final, o purgatório não existirá mais; de fato, o Juiz Supremo menciona, em sua sentença, apenas o castigo eterno e a vida eterna. Mateus, XXV, 46. Mas Nosso Senhor também fala de um pecado contra o Espírito Santo, que não será perdoado “nem neste século, en touto to aiôni, nem no século vindouro, en tô mellonti, ou seja, nem nesta vida nem na outra.”

No Evangelho, a palavra aiôn, século, geralmente designa a vida presente, Mateus, XIII, 22, 39; XXIV, 3; Marcos, IV, 19; Lucas, XVI, 8; XX, 34, etc., e a expressão aiôn mellôn, idêntica a aiôn mellon, refere-se não ao tempo futuro na Terra, mas ao tempo que segue a morte, aquele no qual se obtém a vida eterna. Marcos, X, 30; Lucas, XVIII, 30.

Existem, portanto, pecados que, não tendo sido perdoados nesta vida, podem sê-lo na outra. Em rigor, poderia-se crer que esses pecados, perdoados na outra vida, o sejam no próprio momento do julgamento, graças ao arrependimento do pecador e à misericórdia de Deus, pois Nosso Senhor não fala de nenhuma pena a ser sofrida para obter esse perdão. Mas, dada a crença na existência do purgatório, parece mais natural pensar que esses pecados sejam expiados por uma pena temporária, enquanto o pecado contra o Espírito Santo não é expiado nem por uma pena eterna. Assim, a partir desse texto, conclui-se geralmente que há expiação no purgatório. Cf. Santo Agostinho, De civ. Dei, XXI, 24, t. XLI, col. 738; São Gregório, Dial., IV, 39, t. LXXVII, col. 398; Bellarmino, De purgatorio, I, 4, etc.

“Não sairás de lá até que tenhas pago o último centavo.”

Em outro ponto, o Salvador compara o pecado a uma dívida pela qual se é colocado na prisão. Ele aconselha, portanto, o homem a acertar suas contas com seu adversário enquanto está com ele no caminho, ou seja, a regular suas contas com Deus enquanto está na vida presente; do contrário, ele seria lançado na prisão, e, conclui o Salvador, “não sairás de lá até que tenhas pago o último centavo.” Mateus, V, 26. Podemos, à primeira vista, sentir a tentação de aplicar esse texto ao purgatório, uma prisão da qual ninguém sai antes de pagar completamente sua dívida.

Mas a maioria dos Padres e comentaristas o entendem como sendo o inferno, do qual não se sai nunca, porque lá nunca se pode pagar a dívida. Cf. Knabenbauer, Evang. sec. Matth., Paris, 1892, t. I, p. 220.

No entanto, observa Jansenius, In Sanct. J. C. Evangel., Lovaina, 1699, p. 56, o Salvador não afirma que a última moeda não poderá ser paga, mas também não o nega. Assim, São Cipriano, Epist. X, ad Anton., 20, t. III, col. 786, entende o texto como se referindo ao purgatório, quando coloca em oposição aqueles que aguardam seu perdão e aqueles que já alcançaram a glória, aqueles que estão na prisão até que tenham pago o último centavo e aqueles que imediatamente receberam a recompensa, aqueles que permanecem por longo tempo no sofrimento do fogo para purificar-se de seus pecados e aqueles que tudo expiaram pelo martírio.

Portanto, é possível ver nesse texto uma alusão ao purgatório; mas essa interpretação não é absolutamente obrigatória e, portanto, não tem um valor dogmático absoluto.

O purgatório em São Paulo

São Paulo se expressa assim, falando dos diversos pregadores do Evangelho: “Ninguém pode pôr outro fundamento além daquele que já está posto, que é Jesus Cristo.

Se alguém construir sobre esse fundamento com ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, a obra de cada um será manifestada, pois o dia (do Senhor) a tornará conhecida, porque ela será revelada no fogo, e o fogo mesmo provará o que é a obra de cada um. Se a obra que alguém construiu sobre o fundamento subsistir, ele receberá uma recompensa; se a obra de alguém for consumida, ele perderá sua recompensa; ele, contudo, será salvo, mas como através do fogo.” I Coríntios, III, 11-15. A obra em questão é claramente a dos pregadores que, sobre o fundamento que é Jesus Cristo, erguem uma obra mais ou menos sólida.

O dia do Senhor

O dia do Senhor é, segundo os intérpretes, o dia da provação, o dia da morte e do julgamento particular, ou, muito mais provavelmente, o dia da segunda vinda do Senhor e o do julgamento geral. Comparam normalmente o julgamento divino a uma conflagração, a um fogo que prova. II Tessalonicenses, I, 8; II Pedro, III, 7. Esse julgamento manifestará o valor da obra dos diferentes pregadores do Evangelho.

Por outro lado, somente a obra que o Senhor julgar digna receberá a recompensa; todo o restante desaparecerá com o julgamento, como madeira e palha se consomem ao calor do fogo. Esse fogo não pode ser o do purgatório, pois o purgatório não se confunde com o “dia do Senhor”, e não é o fogo do purgatório que testa as obras dos homens.

O Apóstolo, em I Coríntios 3, 15, acrescenta que o pregador cuja obra se destruiu “será salvo, sôthêsetai, mas como através do fogo.” No julgamento geral, o pregador que construiu uma obra frágil e, por isso, for condenado, ainda poderá ser salvo, se sua culpa permitir remissão e ele próprio passar pelo fogo. Esse fogo simboliza especialmente o purgatório.

Conclusão sobre os textos de São Paulo

Por analogia, concluímos que todos os fiéis que carregam dívidas remissíveis para o outro mundo também podem ser salvos, “mas como através do fogo”, ou seja, passando pelas provações dolorosas e expiatórias que formam o purgatório. Cf. Cornely, I Epist. ad Cor., Paris, 1890, p. 86-92.

São Paulo ora ao Senhor para fazer misericórdia a Onesíforo, que lhe prestou grandes serviços em Roma e em Éfeso. II Timóteo, I, 16-18. É provável que, nesse momento, Onesíforo já não estivesse neste mundo. A oração feita por ele pressupõe que ela pode ajudá-lo, confirmando assim a existência do purgatório.

Por fim, o batismo pelos mortos, ao qual São Paulo alude como sendo uma prática em uso por algumas pessoas, que ele se abstém de aprovar, I Coríntios, XV, 29, poderia ao menos atestar essa crença de que certas obras realizadas pelos vivos são úteis para as almas dos mortos. Ver Batismo dos Mortos, t. I, col. 1441.

Conclusão sobre o Purgatório

Em conclusão, os Padres baseiam-se apenas nos textos anteriores, exceto nos dois últimos, para estabelecer a doutrina do purgatório. Cf. Turmel, Histoire de la théologie positive, Paris, 1904, p. 194, 363, 485. O Concílio de Trento refere-se, de modo geral, às Escrituras Sagradas, aos Padres e aos concílios, mas sem citá-los, para definir a doutrina do purgatório. Sess. XXV, 11; Sess. VI, Can. 30; Sess. XXII, Can. 2, 3.

As referências bíblicas e os textos dos Padres da Igreja desenvolveram gradualmente a doutrina do purgatório, estabelecendo-a como um ensinamento central da Igreja Católica. Embora as Escrituras não definam o purgatório de forma explícita, a Igreja identifica uma base implícita em passagens que indicam a necessidade de purificação após a morte. Essa crença moldou a prática da oração pelos mortos e a compreensão da expiação de pecados não mortais, práticas que permanecem até hoje.

Durante o Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja Católica enfrentou as objeções dos reformadores protestantes e reafirmou o purgatório como uma verdade de fé. Além disso, o Concílio declarou que as almas no purgatório passam por purificação antes de alcançar a visão beatífica. Também estabeleceu que as orações e sacrifícios dos vivos aliviam o sofrimento dessas almas. Com essa decisão, a Igreja reforçou práticas devocionais, como missas e indulgências.

A doutrina do purgatório expressa a visão católica de justiça e misericórdia divinas. Ela afirma que, após a morte, as almas continuam a se purificar de seus pecados enquanto aguardam o céu. Por fim, essa crença se enraíza na tradição apostólica e nos escritos dos santos e doutores da Igreja, sustentando até hoje um dos pilares da teologia católica.

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Texto base: F. Vigouroux: Dictionnaire De La Bible, 1912. Tradução, adaptação, expansão e melhorias de legibilidade por Ideias em Conserva.