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Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu?

Responder à pergunta “Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu?” exige mergulhar na tradição da Igreja e nos escritos dos maiores teólogos da Cristandade. Neste artigo, exploraremos em profundidade a resposta de São Roberto Belarmino (1542–1621), Doutor da Igreja, um dos mais importantes apologistas católicos da Reforma e autor da obra Disputationes de Controversiis Christianae Fidei adversus hujus temporis Haereticos, especialmente no volume De Summo Pontifice.

Belarmino, com método escolástico rigoroso, apresenta argumentos exegéticos, patrísticos, teológicos e históricos para defender que Cristo deu as chaves do Reino do Céu a São Pedro em sua própria pessoa, e não simbolicamente à Igreja como um todo ou a todos os apóstolos simultaneamente.

Vamos dividir os argumentos de Belarmino em seções temáticas, para demonstrar com clareza a estrutura lógica da sua defesa da primazia petrina.

Quem é São Roberto Belarmino?

São Roberto Belarmino foi um cardeal jesuíta, professor de teologia em Roma, participante do Concílio de Trento e canonizado em 1930. É considerado uma das maiores inteligências teológicas da Contra-Reforma. Sua obra De Summo Pontifice, parte das Disputationes, é um tratado sistemático sobre o papado e a autoridade da Sé de Pedro.

São Roberto Belarmino sobre o Sumo Pontífice

Ao abordar a pergunta “Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu?”, Belarmino dedica longos capítulos à refutação dos protestantes como Lutero, Calvino e os Centuriadores de Magdeburgo, que negavam qualquer primazia pessoal de Pedro.

A clareza do texto de Mateus 16:18–19

São Roberto Belarmino inicia sua argumentação com uma análise exegética do célebre trecho de Mateus 16:18–19, um dos pilares da doutrina católica sobre o primado de Pedro. Nesse episódio, Jesus, após ouvir a confissão de fé de Simão, responde com uma promessa solene:

“Bem-aventurado és, Simão Bar-Jona… eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja… Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus…” (Mt 16, 17-19)

Belarmino sublinha que, do ponto de vista gramatical, estilístico e teológico, o texto é de clareza singular. Cristo identifica diretamente o destinatário da promessa: Simão Pedro, filho de Jonas. Nenhuma metáfora abstrata, nenhuma linguagem coletiva. Pelo contrário, Jesus emprega todos os marcadores possíveis de individualização: um pronome pessoal (“tu”), o nome de nascimento (Simão), o nome do pai (Bar-Jona), e o novo nome dado por Cristo (Pedro). É como se cada elemento fosse deliberadamente inserido para eliminar qualquer ambiguidade sobre quem está recebendo as chaves.

“Para que serve uma descrição tão precisa, se nada se promete propriamente a Pedro?” – De Summo Pontifice, cap. XII

Com esse argumento, Belarmino busca demonstrar que o dom das chaves foi conferido a Pedro de forma real e pessoal, e que qualquer tentativa de diluir essa promessa em uma simbologia coletiva – como propuseram Lutero e Calvino – ignora o próprio texto e o contexto da narrativa evangélica.

Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu: a pessoa de Pedro

Para responder corretamente à pergunta “Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu?”, é essencial compreender um conceito técnico que Belarmino utiliza repetidamente: o de “gerir a pessoa de outro”. No contexto teológico e jurídico em que Belarmino escreve, isso significa representar, com autoridade reconhecida, uma outra pessoa diante de um terceiro. Nesse caso, trata-se de alguém que representa a própria Igreja diante de Cristo, ou vice-versa. Pedro, segundo Belarmino, “geriu a pessoa da Igreja” — ou seja, representou a Igreja de forma real e concreta diante de Cristo ao receber as chaves do Reino. Essa gestão pode ocorrer de duas formas: parabolicamente ou historicamente.

Gerir parabolicamente significa representar alguém por meio de uma ficção ou imagem simbólica. Por exemplo, o semeador na parábola do Evangelho representa Cristo, mas não é uma ação histórica: é uma figura inventada para transmitir uma verdade espiritual. De forma semelhante, o legado de um rei que recebe as chaves de uma cidade o faz como mero símbolo do soberano, sem possuir autoridade própria.

Gerir historicamente, por outro lado, ocorre quando uma pessoa realiza uma ação real, que possui significado em si mesma e que, ao mesmo tempo, prefigura ou representa algo maior. É o caso de Abraão, que teve dois filhos e com isso simbolizou os dois povos — judeus e gentios — como ensina São Paulo em Gálatas 4. Do mesmo modo, Marta e Maria, ao viverem vidas distintas de ação e contemplação, representam dois modos legítimos de vida cristã.

Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu?

No caso de Pedro, Belarmino argumenta que ele geriu historicamente a pessoa da Igreja, e o prova a partir de três pontos principais. Primeiro, porque o próprio Cristo usa uma linguagem extremamente precisa e individualizada: “Bem-aventurado és, Simão Bar-Jona… Eu te digo que tu és Pedro… Dar-te-ei as chaves…”. Nenhum outro apóstolo recebe uma promessa tão específica, com tantos marcadores pessoais (nome de nascimento, nome do pai, novo nome dado por Cristo, pronome individual).

Segundo, a promessa das chaves é feita como recompensa pela confissão pessoal de fé feita por Pedro. Jesus não diz: “A Igreja disse bem”, mas “Bem-aventurado és TU, Simão Bar-Jona”, e promete as chaves diretamente a ele.

“A verdadeira confissão de fé recebeu a recompensa. Mas essa confissão foi feita por Pedro em sua própria pessoa.” – De Summo Pontifice, cap. XII

Terceiro, não havia nenhuma estrutura anterior que permitisse a Pedro agir como representante oficial da Igreja. Ele não era um delegado dos demais, nem fora eleito para representá-los. Portanto, não recebeu as chaves em nome da Igreja, mas como indivíduo real — e ao recebê-las, simbolizou e fundou a própria estrutura visível da Igreja.

“Pedro recebeu verdadeira e principalmente as chaves… e simbolizou ao mesmo tempo a Igreja inteira.” – ibid.

Portanto, Belarmino conclui que Cristo prometeu as chaves especificamente a Pedro enquanto indivíduo real, por mérito de sua fé e como fundamento visível da Igreja, e não apenas como uma imagem ou figura transitória de um corpo coletivo.

Objeções protestantes e as respostas de Belarmino

Após estabelecer a clareza do texto bíblico e a pessoa histórica de Pedro como destinatário das chaves, São Roberto Belarmino dedica-se a responder minuciosamente às principais objeções levantadas pelos reformadores protestantes. Entre os alvos de sua análise estão Lutero, Calvino, o Sínodo de Esmalcalda e os Centuriadores de Magdeburgo. Cada argumento é enfrentado com rigor teológico e respaldo patrístico, revelando que as mesmas passagens usadas pelos adversários, quando bem interpretadas, confirmam a primazia petrina. A seguir, analisamos essas objeções e as respostas que Belarmino lhes oferece.

“Pedro falou em nome da Igreja?”

Belarmino admite que Pedro falou em nome dos outros, mas não como um porta-voz qualquer, e sim como cabeça e príncipe dos apóstolos. O ponto central do argumento é que Pedro não representa os demais como um delegado escolhido ou um emissário investido por eles, mas como aquele que possui, por instituição divina, a primazia de ordem e jurisdição entre os apóstolos.

Assim, quando Pedro responde a Cristo: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16), ele fala com liberdade pessoal e não sob mandato dos demais. E, embora os outros não tenham falado, eles assentiram silenciosamente, como observou São João Crisóstomo. Por isso, Belarmino afirma que Pedro falou como cabeça e os demais aprovaram:

“Somente Pedro respondeu… os restantes aprovaram pelo silêncio.”

Portanto, o fato de Pedro ter sido o único a falar não enfraquece sua posição — pelo contrário, a fortalece como sinal da sua autoridade própria, que depois será reconhecida publicamente por Cristo com a promessa das chaves.

“As chaves foram dadas a todos os apóstolos?”

De fato, Cristo também conferiu poderes a todos os apóstolos (cf. Jo 20, Mt 18), mas Belarmino demonstra que o modo e a ocasião foram distintos:

“Pedro recebeu o poder como ordinário e cabeça. Os outros, como delegados e sujeitos.”

Além disso, Cristo disse a Pedro: “apascenta minhas ovelhas” (Jo 21), algo que não foi dito aos outros.

“Pedro foi repreendido: ‘Afasta-te de mim, Satanás?”

Lutero argumenta que Pedro não poderia ser o fundamento da Igreja se, logo após receber a promessa das chaves, foi repreendido por Cristo com a severa expressão: “Afasta-te de mim, Satanás!” (Mt 16,23). À primeira vista, pareceria uma contradição: como poderia aquele que é chamado “pedra” tornar-se, em seguida, um escândalo e ser comparado a Satanás?

Belarmino responde com clareza que essa repreensão não anula a promessa feita anteriormente. Em primeiro lugar, ele recorda que a promessa das chaves foi feita por causa da confissão de fé de Pedro, iluminada por revelação divina: “Bem-aventurado és tu, Simão Bar-Jona, porque não foi a carne e o sangue que to revelaram, mas meu Pai que está nos céus” (Mt 16,17). Essa promessa é um dom irrevogável de Deus e não depende da impecabilidade pessoal de Pedro.

O erro de Pedro, repreendido por Cristo, não está na fé, mas em sua incompreensão humana da cruz. Ao tentar afastar Jesus da paixão, Pedro tropeça — mas tropeça como homem frágil, não como falso crente. Belarmino observa que Cristo distingue claramente as duas situações: primeiro louva Pedro como bem-aventurado, depois o repreende por resistir ao mistério da cruz. Isso demonstra que Deus pode confiar uma missão sublime mesmo a alguém que, por fraqueza, tropeça em outros aspectos.

Além disso, Belarmino esclarece o sentido da palavra “Satanás” nesse contexto. Derivada do hebraico שָׂטָן (satan), ela significa originalmente “adversário”, e não se refere necessariamente ao demônio. Cristo está dizendo que Pedro, ao tentar impedir sua missão, se tornou momentaneamente um obstáculo, um adversário da vontade divina — não que Pedro seja intrinsecamente maligno ou excluído de sua missão apostólica.

“Pedro tem a revelação e recebe as chaves por dom de Deus, mas tropeça por sua fraqueza.”

Assim, a repreensão não nega a missão; ao contrário, confirma que Pedro é um homem real, com virtudes e falhas, chamado a exercer um ofício espiritual por graça divina, e não por méritos pessoais. Essa tensão entre grandeza e fraqueza é o que torna Pedro uma figura tão próxima e tão verdadeira como fundamento da Igreja visível.

Testemunho dos Padres da Igreja

Belarmino cita exaustivamente os Padres da Igreja para mostrar que a tradição sempre reconheceu São Pedro como o receptor principal das chaves do Reino dos Céus. A seguir, apresentamos os testemunhos em ordem cronológica, com as datas de nascimento e morte dos autores, bem como referências às obras nas quais expressam tal doutrina:

  • Hilário de Poitiers (c. 315 – c. 367), um dos primeiros doutores latinos, escreveu em seu Commentarius in Matthaeum (cap. 16):

    “Pedro mereceu, pela confissão da sua fé, um lugar proeminente… O bem-aventurado porteiro do céu, por cujo arbítrio se transmitem as chaves do acesso eterno.”

  • Agostinho de Hipona (354 – 430), Doutor da Graça, reconhece o papel único de Pedro na recepção das chaves. Em Tractatus in Joannem 50 e Sermones 295:

    “Pedro foi figura da Igreja, mas recebeu as chaves em sua própria pessoa.”
    “O apóstolo Pedro, por causa do primado do seu apostolado, gestava a pessoa desta Igreja.”

  • Leão Magno (c. 400 – 461), papa e Doutor da Igreja, declara na Epístola 10 ad Episcopos per Illyricum e no Sermão 4 de Natal Domini:

    “Tudo o que Cristo concedeu aos outros, deu por meio de Pedro.”
    “Se Cristo quis que os outros príncipes tivessem algo em comum com Pedro, tudo o que concedeu aos demais, não o fez senão por meio de Pedro.”

Essa sequência patrística não apenas confirma a interpretação de Belarmino, como revela uma consciência contínua e uniforme da Igreja antiga: Pedro não foi apenas uma figura simbólica da Igreja, mas o instrumento real da instituição da autoridade eclesiástica visível, a quem foi confiada a chave do governo espiritual que se perpetua na sucessão apostólica.

A unidade da Igreja fundada sobre Pedro

São Roberto Belarmino, ao tratar da questão “Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu?”, dedica especial atenção ao testemunho de São Cipriano de Cartago (nascido por volta de 200 e morto em 258 d.C.), bispo e mártir do século III. Em sua obra De unitate Ecclesiae catholicae (c. 251), Cipriano defende que a Igreja é una e visível, e que essa unidade é garantida por uma só cabeça visível: Pedro, e por extensão, a Sé que ocupa seu lugar.

“O início parte da unidade, e o primado é dado a Pedro, para que se demonstre a unidade da Igreja.” – De unitate Ecclesiae, cap. 4

A tese central de Cipriano, retomada por Belarmino, é que a unidade eclesial não é apenas espiritual, mas institucional, visível e enraizada em um ponto fixo: a Sé de Pedro, que funciona como raiz e fonte da comunhão universal da Igreja. A analogia usada por Cipriano é a da fonte única da qual procedem todos os rios, e da raiz da qual brotam os ramos:

“A Igreja, que é una, foi fundada, pela voz do Senhor, sobre o único que recebeu as suas chaves.” – Epistola 73 ad Jubajanum, PL 3, col. 1123

Belarmino interpreta esse testemunho com precisão: a unidade da Igreja não é apenas uma abstração teológica, mas se manifesta na realidade histórica de Pedro, ao qual foi dado o primado como sinal e garantia visível da unidade católica. É justamente por essa razão que, ao longo dos séculos, a Igreja reconheceu que a cátedra de Pedro em Roma é o centro da comunhão eclesial.

Portanto, para São Cipriano e para Belarmino, a questão “Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu?” está diretamente ligada à questão da unidade da Igreja: Cristo confiou as chaves a Pedro, para que, por meio de sua autoridade visível, a Igreja permanecesse una na fé, na caridade e na sucessão apostólica.

Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu segundo o Evangelho de João?

São Roberto Belarmino aprofunda o argumento da primazia petrina utilizando o Evangelho de João, especialmente os capítulos 20 e 21. Ele distingue dois tipos de poder concedidos por Cristo: o poder de ordem, que se refere à remissão dos pecados e à administração dos sacramentos, e o poder de jurisdição, que diz respeito ao governo espiritual sobre a Igreja. Esses dois poderes, embora relacionados, foram conferidos de maneira distinta.

Em João 20, Cristo aparece aos apóstolos e sopra sobre eles, dizendo:

“Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; aqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.” (Jo 20,22-23)

Aqui, segundo Belarmino, dá-se a concessão do poder de ordem a todos os apóstolos, isto é, a faculdade sacramental de absolver os pecados. Porém, o que em Mateus 16 fora prometido apenas a Pedro — “Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus” —, realiza-se de forma pessoal e exclusiva no capítulo 21 do mesmo Evangelho de João.

“Apascenta minhas ovelhas.” (Jo 21,17)

Este tríplice mandato de Cristo a Pedro — expresso nas três perguntas consecutivas: “Simão, filho de João, tu me amas?” — é interpretado por São Roberto Belarmino como uma restauração plena da missão de Pedro após suas três negações, e ao mesmo tempo como a instituição solene do poder de jurisdição suprema sobre toda a Igreja. A tríplice repetição não é casual: corresponde diretamente às três vezes que Pedro negara Jesus durante a Paixão (cf. Jo 18), e agora, diante do Ressuscitado, Pedro professa seu amor três vezes, reparando assim seu pecado.

Belarmino observa ainda que as três ordens — “Apascenta meus cordeiros”, “Apascenta minhas ovelhas”, e novamente “Apascenta minhas ovelhas” — indicam não apenas repetição enfática, mas uma gradação pastoral. Os cordeiros representam os fiéis mais simples e frágeis; as ovelhas, os cristãos já amadurecidos na fé; e na terceira vez, interpretada por Belarmino em harmonia com outros Padres, Cristo inclui simbolicamente os próprios pastores — inclusive os demais apóstolos — sob o pastoreio de Pedro.

“Pedro recebeu o poder de governar não apenas os fiéis, mas também os governantes da Igreja. Foi investido como príncipe da grei e pastor dos próprios pastores.” – De Summo Pontifice, cap. XIV

Assim, o tríplice mandato não apenas confirma a restituição pessoal de Pedro, mas consagra sua missão única como chefe visível da Igreja. O que foi prometido em Mateus 16 se cumpre em João 21: Pedro é, de modo claro e definitivo, instituído como pastor universal — um poder recebido de forma singular, que o distingue dos demais apóstolos.

“Pedro recebeu o poder de governar não apenas os fiéis, mas também os governantes da Igreja. Foi investido como príncipe da grei e pastor dos próprios pastores.” – De Summo Pontifice, cap. XIV

É justamente nesse momento, segundo Belarmino, que se consuma a entrega das chaves prometidas em Mateus 16. Cristo realiza, de forma visível e definitiva, a instituição de Pedro como pastor universal, não apenas por promessa, mas por investidura concreta. Os outros apóstolos são também pastores, mas Pedro é feito o pastor dos pastores, conforme ensina São Leão Magno e a tradição patrística confirmada por Belarmino.

Assim, a resposta à pergunta “Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu?” encontra no capítulo 21 de João seu ponto culminante: Cristo deu a Pedro, de modo solene e exclusivo, o poder de jurisdição suprema sobre toda a Igreja visível, tornando-o fundamento institucional da unidade eclesial.

A transmissão do poder de Pedro aos seus sucessores

Um ponto decisivo na argumentação de São Roberto Belarmino é a resposta à objeção protestante: “Quando Pedro morreu, o que aconteceu com as chaves do Reino? Elas pereceram com ele ou foram confiadas diretamente à Igreja como um todo?”

Belarmino responde de forma clara e doutrinariamente precisa:

“As chaves não perecem nem permanecem formalmente na Igreja; ficam nas mãos de Cristo, que as entrega ao novo pontífice, não por nova entrega, mas pela antiga instituição.” – De Summo Pontifice, cap. XV

Assim como um rei institui um governador e autoriza sua substituição por outro, por meio de um decreto real que prevê a continuidade do cargo, também Cristo instituiu Pedro com autoridade perpétua e transmissível. O ofício petrino, segundo Belarmino, é essencialmente sucessório. Cristo conferiu as chaves a Pedro de modo que, ao instituir esse poder em sua pessoa, o estabeleceu como ofício permanente na Igreja, a ser ocupado por outros após sua morte.

Esse é o fundamento da sucessão apostólica, pela qual a autoridade conferida por Cristo se transmite ininterruptamente desde Pedro até os bispos legítimos, e especialmente até o bispo de Roma, sucessor direto do apóstolo. Belarmino enfatiza que Pedro recebeu as chaves em caráter ordinário e que, por isso, sua função não se extinguiu com sua morte:

“Cristo deu a Pedro o poder de governar a Igreja como ordinário e cabeça. Ora, o ordinário não exerce função pessoal e temporária, mas permanente e transmissível, como é próprio dos ofícios eclesiásticos.” – ibid.

Portanto, quando se pergunta “Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu?”, a resposta inclui não apenas a pessoa de Pedro, mas também a instituição que dele procede: o papado como ofício perpétuo. Belarmino reafirma que as chaves estão sempre nas mãos de Cristo, mas Ele as confia sucessivamente, por Sua vontade, a cada novo pontífice, em razão da instituição originária feita a Pedro.

Dessa forma, a sucessão papal não representa uma nova outorga, mas uma continuidade da missão original confiada a Pedro. Esse ensinamento reforça a unidade e visibilidade da Igreja e mostra que a autoridade da Igreja Romana está enraizada não em prerrogativas humanas, mas na própria vontade de Cristo expressa no Evangelho.

Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu: conclusão doutrinal

A conclusão de São Roberto Belarmino ressoa com força doutrinária, clareza lógica e profunda inspiração eclesial: Pedro recebeu as chaves em sua própria pessoa, como príncipe dos apóstolos, como pastor universal e como alicerce visível da unidade da Igreja. Não se trata de metáfora, de representação alegórica, ou de simples honraria simbólica. Trata-se de uma investidura real, pública, irrevogável — selada pelo próprio Cristo.

“Se Cristo quis que os outros tivessem algo em comum com Pedro, tudo aquilo que lhes deu, não o fez senão por meio de Pedro.” – São Leão Magno, citado por Belarmino

Ao longo desta exposição, vimos que Pedro é nomeado individualmente por Cristo, exaltado por sua fé, investido por sua confissão, confirmado após sua queda e finalmente constituído como pastor dos próprios pastores. Sua missão não se extingue com sua morte, pois, como demonstrou Belarmino, trata-se de um ofício ordinário e sucessório, transmitido por Cristo a cada pontífice romano. O vínculo entre o dom das chaves e a sucessão apostólica é o que garante a perenidade da autoridade e a continuidade visível da Igreja fundada por Cristo.

Portanto, para responder de maneira definitiva e jubilosa à pergunta “Para quem Cristo deu as chaves do Reino do Céu?”, afirmamos com toda a tradição católica, com os Padres, com a Escritura e com o doutíssimo São Roberto Belarmino:

Cristo deu as chaves do Reino do Céu a Pedro, pessoalmente, visivelmente e de forma irrevogável, como fundamento da Igreja una, santa, católica, apostólica e romana.

Essa verdade, luminosa e firme como rocha, continua sustentando há dois mil anos a Igreja de Cristo, cuja barca segue navegando pelas tempestades da história, guiada por aquele a quem o Senhor confiou as chaves. A Pedro, e aos que dele recebem a sucessão legítima, está confiado o cuidado de todo o rebanho, até que o Supremo Pastor volte em glória.

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